quinta-feira, 14 de abril de 2011

A mediadora - "A terra das Sombras" - Capitulo 2

 Vou ter de explicar. É que eu não sou exatamente como qualquer garota de 16 anos. Quer dizer, acho que eu pareço bastante normal. Não uso drogas, nem bebo, nem fumo - tudo bem, só daquela vez em que o Soneca me pegou. Não tenho nenhum piercing, só furos nas orelhas, e só um em cada lóbulo. Não tenho ne­nhuma tatuagem. Nunca pintei o cabelo. À parte minhas bo­tas e minha jaqueta de couro, não exagero no preto. Nem uso esmalte escuro nas unhas. No final das contas, sou uma ado­lescente americana perfeitamente normal e comum.
Só que eu falo com os mortos.
Talvez não devesse dizer assim. Talvez devesse dizer que os mortos é que falam comigo. Quer dizer, eu não ando por aí procurando esse tipo de conversa. Na realidade, tento evitar essa coisa toda o mais que posso.
Mas o negócio é que às vezes eles não me largam.
Estou me referindo aos fantasmas.
Não acho que eu seja maluca. Pelo menos não mais malu­ca que qualquer outra adolescente de 16 anos. Suponho que posso parecer maluca para certas pessoas. A maioria do pessoal no bairro onde eu morava certamente achava isto. Que eu era biruta. Mais de uma vez puseram os conselhei­ros da escola para cuidar de mim. Às vezes chego a pen­sar que talvez até fosse mais fácil simplesmente deixar que me trancafiassem.
Mas mesmo no nono andar de Bellevue - que é onde eles trancafiam os loucos em Nova York - eu provavelmente ainda não estaria a salvo dos fantasmas. Eles me achariam.
Eles sempre me acham.
Ainda me lembro do primeiro. Lembro-me dele com a mesma clareza das minhas outras lembranças daquela época, o que significa que não me lembro muito bem, pois tinha apenas cerca de dois anos. Acho que me lembro tão bem quanto me lembro de ter livrado um camundongo das garras do nosso gato, mantendo-o protegido em meus braços até que minha mãe, horrorizada, o arrancasse das minhas mãos.
Puxa vida, eu só tinha 2 anos, tá? Na época, ainda não sabia que a gente devia ter medo de ratos. Nem de fan­tasmas, por sinal. Por isto é que, quatorze anos depois, nenhum dos dois me assusta. Talvez me espantem, às vezes. E certamente me chateiam um bocado. Mas me dar medo?
Nunca.
A aparição, exatamente como o camundongo, era peque­na, cinzenta e desprotegida. Até hoje não sei quem era. Mas eu falei com ela, algum tatibitate de bebê que ela não enten­deu. Os fantasmas não entendem crianças de dois anos, como aliás ninguém entende. Ela só ficou me olhando tristemente do alto da escada do nosso prédio. Acho que eu estava com pena dela, assim como tivera pena do camundongo, e que­ria ajudá-la. Só não sabia como. De modo que fiz o que qual­quer criança de dois anos faria. Corri para a minha mãe.
Foi então que aprendi minha primeira lição a respeito dos fantasmas: só eu sou capaz de vê-los.
Quer dizer, é claro que outras pessoas também podem vê-los. Caso contrário, não teríamos casas mal-assombradas, histórias de fantasmas, seriados de mistério e tudo mais. Mas existe uma diferença. A maioria das pessoas que vêem fantasmas só vêem um. Já eu vejo todos os fantasmas.
Todos mesmo. Qualquer um. Qualquer pessoa que tenha morrido e por algum motivo ainda esteja por aí, em vez de ir para onde deveria ir, eu sou capaz de ver.
E posso lhe garantir que isto significa um bocado de fan­tasmas.
No mesmo dia em que vi meu primeiro fantasma tam­bém descobri que a maioria das pessoas - até mesmo minha mãe - não consegue vê-los. E aliás ninguém que eu tenha conhecido consegue. Ou pelo menos ninguém confessa.
O que me faz lembrar da segunda coisa que aprendi so­bre os fantasmas naquele mesmo dia, há quatorze anos: no fim das contas, é sempre melhor não dizer que você viu um fantasma. Ou, no meu caso, qualquer fantasma.
Não estou dizendo que minha mãe entendeu que eu es­tava apontando para um fantasma ao mesmo tempo que balbuciava umas coisas incompreensíveis naquela tarde, quando tinha 2 anos. Duvido que ela soubesse. Provavel­mente pensou que eu estava querendo dizer alguma coisa sobre o camundongo que ela havia tirado de mim naque­la manhã. Mas ela parecia descontraída lá no alto da esca­da e concordou com a cabeça, dizendo:
- Rã-rã... Escuta, Suze. O que vai querer para o almoço? Queijo quente? Atum?
Eu não esperava exatamente uma reação semelhante à que ela teve no caso do camundongo. Minha mãe, que na época também estava cuidando do bebê de uma vizinha, soltara um berro daqueles ao ver o camundongo nos meus braços e berrara mais alto ainda quando eu anunciei orgu­lhosamente que agora também tinha o meu bebê - e hoje eu me dou conta de que ela podia não ter entendido, já que não sacou a história do fantasma.
Mas eu esperava pelo menos que ela percebesse aquela coisa que estava flutuando no alto da escada. Diariamente estavam me dando explicações sobre praticamente tudo que eu encontrava pela frente, dos hidrantes às insta­lações elétricas. Por que não sobre aquela coisa no alto da escada?
Mas quando eu estava comendo o meu queijo quente, um pouco depois, entendi que minha mãe não havia explicado nada sobre aquela coisa cinzenta porque não a tinha visto. Para ela, a coisa não estava lá.
Com dois anos de idade, isto não me pareceu absurdo. Na época, pareceu simplesmente mais uma coisa que tor­nava as crianças diferentes dos adultos. As crianças tinham de comer os legumes até o fim. Os adultos não precisavam. As crianças podiam andar no carrossel no parque. Os adul­tos, não. As crianças podiam ver as coisas cinzentas. Os adultos não conseguiam.
E embora eu tivesse apenas dois anos, entendi que aque­la coisinha cinzenta no alto da escada não deveria ser co­mentada. Não deveria ser comentada com ninguém. Nunca.
E eu nunca comentei. Nunca falei com ninguém sobre o meu primeiro fantasma, nem nunca comentei com nin­guém sobre as centenas de fantasmas que viria a encontrar nos anos seguintes. E no fim das contas, comentar o quê? Eu os via. Eles falavam comigo. Na maioria das vezes, eu não entendia o que eles estavam dizendo, o que queriam, e geralmente eles iam embora. Ponto final.
Provavelmente a coisa teria continuado assim indefini­damente se meu pai não tivesse morrido de repente.
Isso mesmo. Simples assim. Lá estava ele um belo dia na cozinha, cozinhando e contando piadas como sempre fazia, e no dia seguinte tinha partido.
E durante toda a semana que se seguiu à sua morte - que eu passei na varanda em frente ao nosso prédio, esperando meu pai voltar para casa - as pessoas ficavam me dizendo a toda hora que ele nunca voltaria.
Claro que eu não acreditava. E por que haveria de acredi­tar? Meu pai não ia voltar? Eles tinham ficado malucos? Tudo bem, ele podia ter morrido. Esta parte eu tinha pego. Mas certamente ia voltar. Quem ia me ajudar com o dever de matemática? Quem ia acordar cedo comigo nos sábados para fazer waffles e ver desenhos animados? Quem ia me ensinar a dirigir quando eu tivesse 16 anos, como ele havia prometido? Meu pai podia ter morrido, mas com toda certeza eu voltaria a vê-lo. Todo dia eu estava vendo uma quantidade de pessoas mortas. Por que não haveria de ver o meu pai?
E no fim eu estava certa. Puxa vida, meu pai tinha mor­rido. Quanto a isto não havia a menor dúvida. Ele morreu de um enfarte fulminante. Minha mãe mandou cremar seu corpo, e guardou suas cinzas numa antiga caneca de cerveja alemã - aquela com alça. Meu pai adorava cerveja. Ela botou a caneca numa prateleira bem alta, onde o gato não pudesse derrubá-la, e às vezes, quando achava que eu não estava por perto, eu a surpreendia conversando com ela.
Isto me deixava muito triste. Quer dizer, ela não tinha culpa. Se estivesse na situação dela, sem saber o que eu sabia, provavelmente eu também conversaria com a caneca.
Mas, como você vê, era aí que todas aquelas pessoas do meu quarteirão se enganavam. Meu pai estava morto, é ver­dade. Mas eu realmente voltei a vê-lo.
Na realidade, é provável que o veja mais hoje em dia do que quando ele estava vivo. Quando estava vivo, ele tinha de ir para o trabalho quase todo dia. Agora que está morto, já não tem muito o que fazer. De modo que o vejo um bocado. Às vezes até demais, no fundo. O passatempo fa­vorito dele é aparecer de repente quando eu menos espero. É meio chato.
Foi meu próprio pai que finalmente me explicou tudo. De modo que num certo sentido é bom que ele tenha mor­rido, pois de outra forma eu nunca ficaria sabendo.
Na verdade, não é bem verdade. Certa vez, uma carto­mante de tarô disse algo a respeito. Foi numa festa na esco­la. Eu só fui porque a Gina não queria ir sozinha. Para mim ia ser uma chatice, mas acabei indo porque é para essas coisas que servem as melhores amigas. A mulher - Zara, médium vidente - leu as cartas da Gina, dizendo exata­mente o que ela queria ouvir: você terá muito sucesso, será neurocirurgiã, vai se casar com 30 anos, terá três filhos, blablablá. Quando ela acabou, eu me levantei para ir embora, mas Gina insistiu em que Madame Zara também lesse car­tas para mim.
Você pode imaginar o que aconteceu. Madame Zara leu as cartas uma vez, ficou confusa, embaralhou-as e leu de novo. Depois olhou para mim:
- Você fala com os mortos - disse ela. Gina ficou agitada:
- Meu Deus do céu! Meu Deus! É mesmo? Suze, você ou­ viu isso? Você é capaz de falar com os mortos! Você tam­bém é médium!
- Médium, não - atalhou Madame Zara. - Mediadora. Gina ficou com ar de absoluto espanto.
- O quê? Que diabo é isso?
Mas eu sabia. Não sabia que nome davam, mas sabia o que era. Meu pai não tinha explicado as coisas exatamente daquela maneira quando falou comigo, mas de qualquer modo eu peguei a raiz da questão: simplesmente eu sou o contato para praticamente todo mundo que estica as canelas deixando as coisas... digamos, incompletas. E aí, quando posso, eu ajeito as coisas.
É a única maneira que eu consigo explicar a coisa. Não sei por que fui ter tanta sorte - quer dizer, nas outras coisas eu sou tão normal. Bom, quase... Simplesmente e infelizmente tenho essa capacidade de me comunicar com os mortos.
Mas não qualquer morto. Só os que estão infelizes.
Você já entendeu então que nos últimos 16 anos a mi­nha vida tem sido mesmo um mar de rosas.
Imagine só, ser assombrada - literalmente assombrada - pelos mortos, a cada minuto de cada dia da sua vida. Não é nada agradável. Você vai ali na lanchonete tomar um re­frigerante... opa, falecido na esquina. Alguém o baleou. E se você puder levar os tiras ao sujeito que fez aquilo, ele pode finalmente descansar em paz.
E tudo que você queria era um refrigerante.
Ou você vai à biblioteca... e pá, lá vem o fantasma de uma dona de livraria querendo que você vá dizer ao sobri­nho dela que está furiosa com a maneira como ele passou a tratar os gatos depois que ela bateu as botas.
E esses são só os caras que sabem por que ainda estão rondando por aí. A metade deles não tem a menor idéia de por que ainda não foram para o tipo de vida que os espera­va depois que morreram.
O que não deixa de ser um saco, claro, pois eu sou a boboca que tem de ajudá-los a tomar rumo.
Eu sou a mediadora.
Pode crer que não é o destino que eu desejaria a ninguém.
Não se pode dizer que nesse campo da mediação as recom­pensas sejam generosas. Ninguém nunca se deu ao traba­lho de me oferecer um salário ou coisa parecida. Nem se­quer um pagamento por hora. Só aquele calorzinho gostoso, de vez em quando, quando você faz alguma coisa boa para alguém. Como por exemplo dizer a uma garota que não conseguiu se despedir do avô antes de ele morrer que ele realmente a ama, e a perdoa por aquela vez em que ela jo­gou fora sua coleção de selos. Esse tipo de coisa realmente pode acalentar o coração.
A maioria das vezes, no entanto, são mesmo calafrios o tempo todo. Além do estresse - estar sendo o tempo todo atormentada por gente que só você consegue ver -, o fato é que muitos fantasmas são estúpidos à beça. Isso mesmo. São chatos de doer. Esses são em geral os que realmente querem ficar mesmo rondando aqui neste mundo em vez de seguirem para o outro. Provavelmente eles sabem que por seu comportamento na vida mais recente não podem esperar muito boa coisa na que está por vir. De modo que ficam por aí atazanando as pessoas, batendo portas, fazen­do barulho com os objetos, provocando frio, gemendo. Você sabe do que estou falando. A velha história de fantasmas...
Mas às vezes eles são bem brutos. É quando tentam machucar as pessoas. De propósito. É aí que em geral eu fico danada. É quando me dá vontade de dar um pontapé no traseiro de um fantasma.
E era disso que minha mãe estava falando quando disse aquela frase - "Ah, Suze, outra vez?!..." Quando eu chuto os fundilhos de um fantasma, as coisas tendem a ficar um pouco... complicadas.
Não que eu tivesse a menor intenção de bagunçar meu novo quarto. Por isto é que dei as costas para o fantasma sentado perto da minha janela e disse:
- Deixa pra lá, mãe. Está tudo bem. O quarto é mara­vilhoso. Obrigada mesmo.
Deu para ver que ela não estava acreditando em mim. Não é nada fácil enganar minha mãe. Eu sei que ela está desconfiando que há alguma coisa comigo. Simplesmente ela não consegue imaginar o quê. O que provavelmente é bom, pois do contrário todas as certezas dela ficariam abala­das demais. Sabe como é, ela é repórter de televisão. Só acredita no que vê. E fantasmas ela não consegue ver.
Você não imagina o quanto eu gostaria de ser como ela.
- Que bom, que bom que você gostou - disse ela. - Eu estava meio preocupada. Isto é, sabendo como você não gosta... bem, de lugares antigos.
Lugares antigos são os piores para mim porque quanto mais velha for uma construção, mais chances haverá de que alguém tenha morrido nela e de que ele ou ela ainda este­jam rondando por ali, em busca de justiça ou querendo transmitir alguma mensagem final a alguém. Para você ficar sabendo, isto resultou em alguns lances dos mais interessan­tes, na época em que minha mãe e eu estávamos procu­rando apartamento na cidade. A gente entrava naqueles apartamentos que pareciam perfeitamente OK, e eu começa­va a dizer "Não, não, de jeito nenhum" sem uma razão aparente que eu pudesse explicar. É mesmo um espanto que minha mãe não tenha me despachado depressinha para um internato.
- Na boa, mamãe - disse eu. - Muito bom. Adorei.
Ouvindo isto, Andy começou a zanzar agitado pelo quar­to, mostrando-me que as luzes podiam ser acesas e apaga­das com palmas (ai, meu Deus...) e várias outras gracinhas que ele havia providenciado. Eu ia atrás dele, mostrando que estava encantada, mas tomando o cuidado de não olhar na direção do fantasma. Era mesmo comovente ver como o Andy queria me ver feliz. E como ele parecia querer tan­to, eu estava decidida a ser mesmo feliz. Ou pelo menos tão feliz quanto é possível para uma pessoa como eu.
Depois de um certo tempo, Andy já não tinha mais o que me mostrar e saiu para começar a preparar o churras­co, pois em homenagem à minha chegada teríamos um jan­tar especial. Soneca e Dunga foram "pegar uma onda" en­quanto não chegava a hora e Mestre, balbuciando miste­riosamente alguma coisa sobre uma "experiência" em que estava trabalhando, meteu-se em alguma outra parte da casa, deixando-me sozinha com minha mãe... quer dizer, mais ou menos.
Está tudo bem mesmo, Suze? - quis saber ela. - Eu sei que é uma mudança muito grande. Sei que é pedir muito de você...
Eu tirei minha jaqueta de couro. Não sei se já disse, mas estava quente à beça para o mês de janeiro. Uns 25 graus. Eu quase havia torrado no carro.
Está tudo bem, mãe - respondi. - Mesmo.
Estou querendo dizer que pedir que você se separasse da vovó, da Gina, de Nova York... Foi egoísmo meu, eu sei. Sei que as coisas não têm sido... como dizer, fáceis para você. Especialmente desde que papai morreu.
Minha mãe gosta de pensar que o motivo pelo qual eu não sou a adolescente tradicional do jeito que ela era quan­do tinha a minha idade - ela era chefe de torcida, rainha de beleza, tinha montes de namorados e coisas do tipo - é por eu ter perdido meu pai tão cedo. Ela culpa a morte dele por tudo, desde o fato de eu não ter amigos - com a exce­ção da Gina - até minhas eventuais demonstrações de comportamento bizarro.
E acho mesmo que muitas coisas que fiz no passado podiam parecer bem bizarras para alguém que não sou­besse por que eu estava agindo daquela maneira, ou que não pudesse ver para quem eu estava fazendo aquilo. Muitas vezes fui apanhada em lugares onde não deveria estar. Algumas vezes cheguei a ser levada para casa pela polícia, acusada de invasão de propriedade, vandalismo ou arrombamento.
E embora nunca tenha sido condenada por nada, já pas­sei muitas horas no consultório da terapeuta da minha mãe, ouvindo que esta minha tendência para falar comigo mes­ma é perfeitamente normal, mas que provavelmente o mesmo não se pode dizer da minha inclinação para conver­sar com pessoas que não estão presentes.
O mesmo quanto à minha aversão a qualquer edifício que não tenha sido construído nos cinco últimos anos.
O mesmo quanto ao número de horas que costumo pas­sar em cemitérios, igrejas, templos, mesquitas, casas ou apar­tamentos (trancados) de outras pessoas e na escola depois do horário,
Acho que os garotos do Andy devem ter ouvido falar al­guma coisa sobre isto, daí aquela pergunta sobre andar em gangues. Mas, como disse, nunca tive de cumprir nenhu­ma pena por nada.
E as duas semanas de suspensão na oitava série nem chegaram a ser anotadas em minha caderneta.
De modo que não era de estranhar que minha mãe esti­vesse ali sentada na minha cama, falando de "começar de novo" e coisas assim. Não deixava de ser estranho que ela o estivesse fazendo enquanto aquele fantasma estava sentado ali a alguns passos apenas, nos observando. Mas não impor­ta. Parecia que ela tinha necessidade de falar sobre como as coisas iam ser muito melhores para mim lá na Califórnia.
E se era isto que ela queria, eu ia fazer tudo que estivesse ao meu alcance para satisfazê-la. Já tinha resolvido não fazer nada que pudesse acabar me levando para a cadeia, o que já era um bom começo.
- Bom - fez minha mãe, já meio sem fôlego depois de todo aquele discurso para dizer que eu não ia fazer amigos se não fosse simpática. - Então, se você não quer ajuda para desfazer as malas, acho que vou ver como é que o Andy está se saindo com o jantar.
Além de ser capaz de construir praticamente qualquer coisa, o Andy também era um excelente cozinheiro, o que minha mãe certamente não era nem de longe. Eu respondi:
- Isso aí, mãe. Faça isso. Vou só me ajeitar um pouco aqui e daqui a pouco desço.
Minha mãe concordou e se levantou - mas não ia me deixar escapulir assim tão facilmente. No momento em que ia passar pela porta, voltou-se e disse, com os olhos azuis cheios de lágrimas:
- Eu só quero que você seja feliz, Suzinha, É a única coisa que eu sempre quis. Você acha que vai ser feliz aqui?
Eu dei um abraço nela. Quando estou com minhas boti­nas, tenho a mesma altura que ela.
- Claro, mãe - respondi. - É claro que vou ser feliz aqui. Já estou me sentindo em casa.
- É mesmo? - fez minha mãe, fungando. - Jura? - Juro.
E eu não estava mentindo, pois se no meu quarto no Brooklyn também havia fantasmas o tempo todo...
Ela saiu e fechou a porta. Esperei até que não estivesse mais ouvindo os passos dela na escada e então me voltei.
- OK - fui dizendo para aquela presença no assento da janela. - Quem diabos é você?

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