quarta-feira, 13 de abril de 2011

Sussurro - Capitulo 26

Era domingo a noite antes de começar o feriado da primavera e o cinema estava lotado. Eu fui para a fila comprar ingressos, olhando continuamente em volta a procura de sinais de que eu estava sendo seguida. Até agora, nada alarmante e a multidão de corpos me dava uma boa cobertura. Eu disse a mim mesma que Patch tomaria conta da Dabria e isso não era nada que eu devesse me preocupar, mas não faria mal ficar alerta.
Claro, que bem lá no fundo, eu sabia que a Dabria não era minha maior preocupação. Cedo ou tarde o Patch iria descobrir que eu não estava no Delphic. Baseada em experiências passadas eu não tinha nenhuma ilusão de que conseguiria esconder-me dele por muito tempo. Ele me encontraria. E então eu seria forçada a confrontá-lo com a pergunta que eu temia. Mais especificamente, eu temia sua resposta. Porque havia uma sombra de dúvida no fundo da minha mente, sussurrando que aquela Dabria tinha falado a verdade sobre Patch precisaria para ter um corpo humano.
Eu dei um passo me aproximando da cabine de compra do ingresso. O filme das nove e meia estava começando.
“Um para O Sacrifício”, eu disse sem pensar. Imediatamente eu achei o título estranhamente irônico. Sem querer refletir mais sobre isso, eu pesquei no meu bolso um punhado de notas pequenas e algumas moedas e passei debaixo da janela, rezando para que fosse o suficiente.
“Afe,” a moça disse, olhando para as moedas girando debaixo da janela. Eu a reconheci da escola. Ela era do último ano e eu tinha quase certeza que seu nome era Kaylie ou Kylie. “Muito obrigada,” ela disse. “Como se não tivesse uma fila ou nada assim.”
Todo mundo atrás de mim murmurou um palavrão coletivo.
“Eu limpei meu cofrinho,” eu disse quase sarcástica.
“Não brinca? Está tudo aqui?” ela perguntou, dando um suspiro alto e pegando as moedas e separando em grupos de vinte cinco, dez, cinco e um centavo.
“Com certeza.”
“Que seja. Não ganho o suficiente para isso.” Ela jogou o dinheiro na gaveta do caixa e passou meu ingresso debaixo da janela. “Existe uma coisa que se chama cartão de crédito…”
Eu agarrei o ingresso. “Por acaso você viu a Vee Sky por aqui hoje?”
“Bee quem?”
“Vee Sky. Ela é do segundo ano. Ela está com o Elliot Saunders.”
Os olhos da Kaylie ou Kylie estavam arregalados. “Parece uma noite tranquila? Parece que eu estou apenas sentada aqui memorizando todos os rostos que passam?”
“Esqueça,” eu disse baixinho, indo em direção das portas que me levariam para dentro do cinema.
O cinema Coldeater tinha duas salas, uma de cada lado no corredor de entrada por detrás daquelas portas. Assim que o cara que verificava o ingresso rasgou o meu, eu fui em direção à porta da sala número dois e entrei na escuridão. O filme já tinha começado.
A sala estava quase cheia, exceto por alguns assentos isolados. Andei pelo corredor procurando a Vee. No final do corredor eu me virei e atravessei a parte da frente do cinema. Era difícil distinguir os rostos na escuridão, mas eu tinha quase certeza que ela não estava aqui.
Eu saí da sala e fui em direção à outra porta. Não estava tão cheio como o outro. Eu fiz outra caminhada procurando, mas novamente, eu não vi a Vee. Sentei numa poltrona perto dos fundos, tentei colocar minha mente em ordem.
Toda essa noite parecia um conto de fadas obscuro que eu entrei e não conseguia achar o caminho de volta. Um conto de fadas com anjos caídos, humanos híbridos e sacrifícios com morte. Eu passei meu dedo em cima da minha marca de nascença. Eu não queria pensar, especialmente, na possibilidade de eu ser uma descendente de um Nephilim.
Eu peguei o celular de emergência e chequei se tinha chamadas perdidas.
Nenhuma.
Eu estava colocando o celular no meu bolso quando um pacote de pipoca se materializou ao meu lado.
“Faminta?” a voz que perguntou vinha de cima do meu ombro. A voz estava seca, não especificamente feliz. Eu tentei manter minha respiração calma. “Fique em pé e saia da sala,” Patch disse. “Estarei bem atrás de você.”
Eu não me mexi.
“Saia da sala,” ele repetiu. “Nós precisamos conversar.”
“Que tal sobre você precisar me sacrificar para conseguir um corpo humano?” eu perguntei, meu tom foi leve, mas por dentro meus sentimentos eram pesados.
“Isso seria bonitinho se você achasse que é verdade.”
“Eu não acho que é verdade!” Mais ou menos. Mas o mesmo pensamento continuava voltando – se o Patch quisesse me matar, por que ele ainda não matou?
“Shh,” falou um cara perto de mim.
Patch disse, “Vá para fora ou vou te carregar.”
Eu me virei. “Como é?”
“Shh!” o cara ao meu lado fez novamente.
“O culpe,” eu disse para o cara e apontei para o Patch.
O cara esticou o pescoço para trás. “Escuta,” ele disse, me olhando novamente. “Se você não se acalmar eu vou chamar os seguranças.”
“Ótimo, vá buscar os seguranças. E diga para eles tirarem ele daqui,” eu disse, novamente sinalizando para o Patch. “Diga para eles que ele quer me matar.”
“Eu quero te matar,” a namorada do cara disse, inclinando sobre ele para me ver.
“Quem quer te matar?” o cara perguntou. Ele ainda estava olhando por sobre seu ombro, mas sua expressão era confusa.
“Não tem ninguém ali,” a namorada me disse.
“Você está fazendo com que eles achem que não podem te ver, não está?” eu disse para o Patch, admirada pelo seu poder, mesmo desprezando seu uso.
Patch sorriu, mas os cantos estavam mais apertados.
“Oh, merda!” a namorada disse, jogando suas mãos para o alto. Ela rolou seus olhos furiosamente para seu namorado e disse, “Faça alguma coisa!”
“Eu preciso que você pare de falar,” o cara me disse. Ele fez um gesto para a tela. “Assista ao filme. Aqui – fique com meu refrigerante.”
Fui para o corredor. Senti Patch se movendo ao meu lado, perturbadoramente próximo, mas sem me tocar. Ele continuou desse jeito até que saímos do cinema.
Do outro lado da porta, Patch segurou meu braço me guiou através do hall até o banheiro feminino.
“O que você tem com banheiros femininos?” Eu disse.
Ele me conduziu pela porta, trancando-a e recostou-se contra ela.
Seus olhos estavam em cada centímetro meu. E eles me davam sinais de que queriam me chacoalhar até a morte.
Eu estava encostada no balcão, minhas palmas agarradas à borda. “Você está bravo porque eu não fui para o Delphic.” Eu levantei um ombro trêmulo. “Patch, por que o Delphic? É domingo à noite. O Delphic vai fechar em breve. Alguma razão especial para você querer que eu dirigisse para um parque de diversões escuro e quase abandonado?”
Ele andou até mim até que ele ficou tão próximo que eu podia ver seus olhos negros por debaixo do seu boné.
“Dabria me disse que você tem que sacrificar um corpo humano,” eu disse.
Patch ficou quieto por um momento. “E você acha que eu vou fazer isso?”
Eu engoli. “Então isso é verdade?”
Nossos olhos se encontraram. “Teria que ser um sacrifício intencional. Simplesmente te matar não resolveria.”
“Você é a única pessoa que pode fazer isso comigo?”
“Não, mas sou provavelmente a única pessoa que sabe do resultado final e a única pessoa que tentaria isso. Esta é a razão de eu ter vindo para a escola. Eu tinha que chegar perto de você. Eu precisava de você. Essa é a razão pela qual entrei em sua vida.”
“Dabria me disse que você caiu por causa de uma garota.” Eu me odiava por experimentar as dores do ciúme irracional. Isso não era para ser sobre mim. Isso era para ser um interrogatório. “O que aconteceu.”
Eu queria desesperadamente que o Patch me desse alguma pista de seus pensamentos, mas seus olhos eram escuros e gelados, as emoções estavam trancadas longe da superfície. “Ela envelheceu e morreu.”
“Isso deve ter sido difícil para você,” eu disse.
Ele esperou um pouco antes de responder. Seu tom era tão baixo, que eu estremeci. “Você quer que eu jogue limpo, eu vou jogar. Vou te contar tudo. Quem eu sou e o que eu fiz. Cada detalhe. Vou trazer tudo à tona, mas você tem que pedir. Você tem que querer isso. Você pode ver quem eu fui, ou você pode ver quem eu sou agora. Eu não sou bom.” Ele me disse, com seus olhos que absorviam toda a luz, mas não refletia nada, “mas eu fui pior.”
Eu ignorei o aperto no estômago e disse, “Conte-me.”
“A primeira vez que a vi, eu ainda era um anjo. Foi um instante de desejo possessivo. Me deixou louco. Eu não sabia nada sobre ela, exceto que eu faria qualquer coisa para ficar perto dela. Eu a observei por um tempo, então eu pensava que se eu descesse para a Terra e possuísse um corpo humano, eu seria expulso do céu e me transformaria em humano. O detalhe é que eu não sabia sobre o Cheshvan. Eu desci em uma noite de agosto, mas eu não pude possuir o corpo. Na minha volta para o Paraíso, uma série de anjos vingadores me
pararam e arrancaram minhas asas. Eles me atiraram pelo céu. Imediatamente eu soube que havia alguma coisa errada. Quando eu olhei para os humanos, tudo o que eu podia sentir foi um desejo insaciável de estar dentro dos seus corpos. Todos os meus poderes foram retirados e eu era essa coisa fraca e patética. Eu não era humano. Eu tinha caído. Eu percebi que tinha desistido de tudo, num piscar de olhos. Todo esse tempo eu me odiei por isso. Eu achava que tinha desistido por nada.” Seus olhos focaram em mim singularmente, fazendo com que eu me sentisse transparente. “Mas se eu não tivesse caído, eu não teria te conhecido.”
Minhas emoções conflitantes pesaram tão forte dentro do meu peito, que achei que elas iriam me sufocar. Segurando as lágrimas, eu continuei. “Dabria disse que minha marca de nascença está relacionada com o Chauncey. Isso é verdade?”
“Você quer que eu responda isso?”
Eu não sabia o que queria. Todo meu mundo parecia uma piada e eu era a última a ficar sabendo. Eu não era Nora Grey, uma garota mediana. Eu era descendente de alguém que nem era humano. E meu coração estava se desfazendo em pedaços por outro que não era humano. Um anjo negro. “Qual lado da minha família?” eu disse afinal.
“Do seu pai.”
“Onde está o Chauncey agora?” Mesmo sabendo que estávamos relacionados, eu gostava da ideia de ele estar bem longe. Muito longe. Tão longe que o que nosso laço não pareça real.
“Eu não vou te matar Nora. Eu não mato pessoas que são importantes para mim. E você está no topo da lista.”
Meu coração deu uma batida nervosa. Minhas mãos estavam em sua barriga, que eram tão firmes que nem mesmo sua pele cedia. Eu estava mantendo uma distância segura entre nós, já que nem mesmo uma cerca elétrica me faria sentir segura com relação a ele.
“Você está invadindo meu espaço privado,” eu disse, afastando um pouco.
Patch me deu um quase sorriso. “Invadindo? Isso não é um teste de atitude da escola, Nora.”
Eu coloquei alguns fios de cabelos atrás da orelha e dei um passo considerável para o lado, encostando na borda da pia. “Você está me cercando. Eu preciso de – espaço.” O que eu precisava era de limites. Eu precisava de força de vontade. Eu precisava ser enjaulada, já que, mais uma vez, eu estava provando que não era confiável na presença do Patch. Eu deveria estar indo em direção à porta, mas mesmo assim... Eu não estava. Eu tentei me convencer que
eu ainda estava aqui porque eu precisava de respostas, mas isso era apenas uma parte da verdade. Havia outra parte que eu não queria pensar nela. A parte emocional. A parte que era inútil lutar.
“Você está escondendo mais alguma coisa de mim?” eu quis saber.
“Estou escondendo várias coisas de você.”
Senti um frio na barriga. “Como o que?”
“Por exemplo, como eu me sinto estando trancado aqui com você.” Patch ergueu o braço e apoiou a mão no espelho atrás de mim, colocando o peso do seu corpo em mim. “Você não tem ideia do que faz comigo.”
Eu chacoalhei a cabeça. “Eu acho que não. Isso não é uma boa ideia. Isso não é certo.”
“Existem vários tipos de coisas certas,” ele murmurou. “No espectro, ainda estamos em uma zona segura.”
Eu sabia que a metade do meu cérebro responsável pela auto preservação estava gritando, Corra por sua vida!. Infelizmente, o sangue subiu até minhas orelhas e eu não estava ouvindo direito. Obviamente, eu também não estava pensando direito.
“Definitivamente certo. Normalmente certo,” Patch continuou. “Quase sempre certo. Talvez seja certo.”
“Talvez não agora.” Eu respirei um pouco. Pelo canto do olho eu vi um alarme de incêndio na parede. Estava a dez ou quinze passos de distância. Se eu fosse rápida, eu podia atravessar o banheiro e apertar o botão antes do Patch me impedir. A segurança viria correndo. Eu estaria salva. E era isso que eu queria… não era?
“Não é uma boa ideia,” Patch disse com um balanço suave de cabeça.
De qualquer maneira eu corri para o alarme de incêndio. Meus dedos agarraram a alavanca e eu a puxei para baixo. Só que a alavanca não se moveu. Por mais forte que eu tentasse, eu não conseguia a fazer se mover. Então eu reconheci a presença familiar do Patch na minha cabeça e eu soube que era um jogo mental.
Virei para encará-lo. “Saia da minha cabeça.” Eu o ataquei dando um empurrão forte em seu peito.
“Para que isso?” ele perguntou.
“Por causa dessa noite.” Por me deixar louca por ele quando eu sabia que era errado. Ele era o pior tipo de errado. Ele era tão errado que parecia certo e isso me fazia sentir completamente fora de controle.
Eu poderia ter tentado bater em seu queixo se ele não tivesse me pegado pelos ombros e me encostado contra a parede. Não havia quase nenhum
espaço entre nós, apenas uma fina camada de ar, mas o Patch conseguiu eliminá-la.
“Vamos ser honestos Nora. Você está apaixonada por mim.” Seus olhos eram profundos. “E eu estou apaixonado por você.” Ele se inclinou em mim e colocou sua boca na minha. Na verdade muita coisa dele estava em mim. Nós tocamos várias partes estratégicas da parte debaixo dos nossos corpos e isso acabou com a minha força de vontade.
Eu me afastei. “Eu não terminei. O que aconteceu com a Dabria?”
“Todos os cuidados foram tomados.”
“O que exatamente isso quer dizer?”
“Ela não iria manter suas asas depois de conspirar para te matar. No momento que ela tentasse voltar para o Paraíso, os anjos vingadores arrancariam suas asas. Ela teria isso mais cedo ou mais tarde. Eu apenas apressei as coisas.”
“Então você – as arrancou?”
“Elas estavam deteriorando; as penas estavam quebradas e finas. Se ela ficasse mais tempo na Terra, isso seria um sinal para todos os outros anjos caídos que a vissem, que ela tinha caído. Se eu não fizesse isso, um deles faria.”
Eu evitei outro de seus avanços. “Ela vai fazer outra aparição não desejada na minha vida?”
“Difícil dizer.”
Rápido como um relâmpago, Patch pegou a barra da minha blusa. Ele me puxou em sua direção. Seus dedos roçaram na pele perto do meu umbigo. Calor e frio me atingiram simultaneamente. “Você daria conta dela, Anjo,” ele disse. “Já vi vocês duas em ação, e minha aposta é em você. Você não precisa de mim para isso.”
“Para o que eu preciso de você?”
Ele riu. Não abruptamente, mas com certo desejo. Seus olhos tinham perdido aquele frio e ficaram focados totalmente em mim. Seu sorriso era sedutor... Mas suave. Alguma coisa atrás do meu umbigo dançou e então, se enrolou mais para baixo.
“A porta está trancada,” ele disse. “E nós temos negócios interminados.”
Meu corpo parecia ter varrido a parte lógica do meu cérebro. Sufocado, na verdade. Eu deslizei minhas mãos para cima no peito dele e passei meus braços ao redor do seu pescoço. Patch ergueu meus quadris e eu enrosquei as pernas na sua cintura. Meu pulso disparou, mas eu não me importei nem um pouco. Eu
esmaguei minha boca contra a sua, absorvendo o êxtase da sua boca na minha, suas mãos em mim, o sentimento a beira de romper a minha pele –
O celular no meu bolso tocou. Eu me afastei do Patch, respirando forte e o telefone tocou uma segunda vez.
“Caixa postal,” o Patch disse.
Nas profundezas da minha consciência, eu sabia que atender meu telefone era importante. Eu não conseguia me lembrar do por que; ter beijado Patch fez com que cada preocupação evaporasse. Eu me desembaracei dele, virando-me para que ele não visse o que dez segundos de beijo dele tinham feito comigo. Internamente eu estava gritando de prazer.
“Alô?” eu respondi, resistindo ao impulso de limpar minha boca manchada de gloss.
“Querida!” Vee disse. A conexão estava ruim, a estática cortava sua voz. “Onde você está?”
“Onde você está? Você ainda está com o Elliot e o Jules?” Eu coloquei minha mão na outra orelha para ouvir melhor.
“Estamos na escola. Nós invadimos,” ela disse em uma voz que era desobediente a perfeição. “Nós queremos brincar de esconde-esconde, mas não temos pessoas suficientes para dois times. Então... você sabe de uma quarta pessoa que poderia vir brincar conosco?”
Uma voz incoerente murmurou ao fundo.
“Elliot quer que eu te diga que se você não vier ser seu parceiro – espera aí – o que?” Vee disse ao fundo.
A voz do Elliot apareceu no telefone. “Nora? Venha brincar conosco. Caso contrário tem uma árvore na área comum com o nome da Vee nela.”
Puro gelo fluiu em mim.
“Alô?” eu disse rouca. “Elliot? Vee? Você está aí?”
Mas a conexão tinha caído.

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