quarta-feira, 13 de abril de 2011

Sussurro - Capitulo 24

Eu estava de costas, minha camisola secando a umidade embaixo de mim, espadas de grama pinicando a pele do meu braço. A lua acima não era nada mais que prateada, um sorriso inclinado para o lado. Tirando o estrondo de um trovão distante, tudo estava quieto.
Eu pisquei diversas vezes seguida, ajudando meus olhos se acostumarem rapidamente à luz escassa. Quando virei minha cabeça para o lado, um arranjo simétrico de galhos curvos saindo da grama se solidificou na minha visão. Vagarosamente eu fiquei em pé. Eu não podia tirar os olhos de duas órbitas negras que me encaravam um pouco acima dos galhos.
Minha mente trabalhou para formar uma imagem familiar. Então, com um horrível lampejo de reconhecimento, eu soube. Eu estava deitada próxima a um esqueleto. Eu rastejei para trás até dar um encontrão com uma cerca de ferro. Eu empurrei o momento confuso e recapitulei minha última memória. Eu tinha tocado as cicatrizes do Patch. Onde quer que eu esteja, era algum lugar dentro da sua memória.
Uma voz, masculina e vagamente familiar, carregada através da escuridão, cantava uma melodia baixinho. Virando-me em sua direção, eu vi um labirinto de lápides alinhadas como dominós no meio da neblina. Patch estava agachado em cima de uma. Ele usava uma Levi’s e uma camiseta, mesmo a noite não estando quente.
“No luar com os mortos?” falou a voz familiar. Era rouca, cheia e Irlandesa. Rixon. Ele encostou-se a uma lápide oposta ao Patch, observando-o. Ele acariciou seu lábio superior com o dedo. “Deixe-me adivinhar. Você tem em mente possuir os mortos? Eu não sei,” ele disse, abanando a cabeça. “Vermes se contorcendo nas suas órbitas... e em seus outros orifícios, poderia estar levando as coisas um pouco longe demais.”
“É por isso que eu o mantenho por perto, Rixon. Sempre vendo o lado bom das coisas.”
“Cheshvan começa essa noite,” Rixon disse. “O que você está fazendo vagando pelo cemitério?”
“Pensando.”
“Pensando?”
“Um processo onde eu uso meu cérebro para tomar uma decisão racional.” Os cantos da boca do Rixon se inclinaram para baixo. “Estou começando a me
preocupar com você. Venha. Já é hora de ir. Chaucey Langeais e Barnabas esperam. A lua vai mudar a meia noite. Eu confesso que estou de olho em umas apostas na cidade.”
Ele deu um ronronado de gato. “Eu sei que você gosta deles vermelhos, mas eu gosto delas justas, e depois que eu estiver em um corpo, eu pretendo cuidar de uns assuntos mal resolvidos com uma loira que estava de olho em mim mais cedo.”
Quando Patch não se mexeu, Rixon disse, “Você está louco? Nós temos que ir. Chauncey jurou fidelidade. Não te lembra nada? Que tal isso. Você é um anjo caído. Você não pode sentir nada. Até esta noite. As próximas duas semanas são um presente do Chauncey para você. Dado a contragosto, você mente,” ele adicionou um sorriso conspirador.
Patch deu um olhar de soslaio para Rixon. “O que você sabe sobre O Livro de Enoch?”
“Tanto quanto qualquer anjo caído: quase nada.”
“Disseram-me que tem uma história no O Livro de Enoch. Sobre um anjo caído que virou humano.”
Rixon se dobrou com uma risada. “Você pirou de vez?” Ele juntou as bordas das mãos, fazendo um livro com elas. “O Livro de Enoch é uma história para criança dormir. E uma das boas, pela aparência dela. Manda você direto para a terra dos sonhos.”
“Eu quero um corpo humano.”
“É melhor você ficar feliz com duas semanas e um corpo Nephil. Meio-humano é melhor que nada. Chauncey não pode desfazer o que já foi feito. Ele fez um juramento e tem que viver com isso. Assim como o ano passado. E o ano antes desse –”
“Duas semanas não são suficientes. Eu quero ser humano. Permanentemente.” Os olhos de Patch cortaram para Rixon, desafiando-o a rir novamente.
Rixon passou suas mãos no cabelo. “O Livro de Enoch é um conto de fadas. Nós somos anjos caídos, não humanos. Nunca fomos humanos e nunca vamos ser. Fim da história. Agora, chega de vagar por aí e me ajude a descobrir como chegar em Portland.” Ele esticou o pescoço para trás e olhou para o céu escuro.
Patch desceu da lápide. “Eu vou virar humano.”
“Claro, camarada, claro que você pode.”
“O Livro de Enoch diz que eu tenho que matar meu servo Nephil. Eu tenho que matar o Chauncey.”
“Não, você não tem,” Rixon disse com um pouco de impaciência. “Você tem que possuí-lo. Um processo no qual você pega seu corpo e usa como se fosse seu. Sem querer cortar seu barato, mas você não pode matar o Chauncey. Nephilim não podem morrer. Você pensou nisso? Se você pudesse matá-lo, você não o possuiria.”
“Se eu o matar, eu viro humano e não vou precisar possuí-lo.”
Rixon apertou o canto de dentro dos olhos como se ele soubesse que seu argumento estava caindo em orelhas surdas e isso estava lhe dando dor de cabeça. “Se nós pudéssemos matar um Nephilim, nós já teríamos achado um jeito a essa altura. Sinto muito em ter que te dizer, mas se eu não chegar logo nos braços da loira, meu cérebro vai cozinhar. E algumas outras partes do meu –“
“Duas escolhas,” Patch disse.
“E?”
“Salvar uma vida humana e se tornar um anjo da guarda, ou matar seu vassalo Nephil e se transformar em humano. Faça sua escolha.”
“Isso é mais uma porcaria do Livro de Enoch?”
“Dabria me fez uma visita.”
Os olhos de Rixon ficaram arregalados e ele soltou uma risada. “Sua psicótica ex? O que ela está fazendo aqui embaixo? Ela caiu? Ela perdeu suas asas?”
“Ela desceu para me dizer que eu posso ter minhas asas de volta se eu salvar a vida de um humano.”
Os olhos do Rixon se abriram mais. “Se você confia nela, eu digo para ir fundo. Não há nada de errado em ser um guardião. Passar seus dias mantendo os mortais longe do perigo... pode ser divertido, dependendo do mortal ao qual você foi designado.”
“Mas e se você tivesse uma escolha?” Patch perguntou.
“Sim, bem, minha resposta depende de uma grande diferença. Eu sou um bêbado... ou perdi completamente a cabeça?” Quando o Patch não riu, Rixon disse sobriamente, “Não há escolha. E aqui está o porquê. Eu não acredito no Livro de Enoch. Se eu fosse você, eu ficaria com ser guardião. Até estou pensando nesse acordo para mim. É uma pena que eu não conheça nenhum ser humano a beira da morte.”
“Jogando cartas ou boxe?”
“Cartas.”
Os olhos de Rixon cintilaram. “O que temos aqui? Um bonitão? Venha até aqui e me deixe te dar uns tapas apropriadamente.” Ele agarrou o Patch em
volta do pescoço, imobilizando-o na dobra do cotovelo, Mas Patch o pegou pelo pulso e arrastou o Rixon pela grama, onde eles se revezaram numa troca de socos.
“Tudo bem, tudo bem!” Rixon berrou, jogando suas mãos para cima em rendição. “Só porque eu não posso sentir um lábio sangrando não quer dizer que eu quero passar o resto da noite andando por aí com um.” Ele piscou. “Não vai melhorar minhas chances com as senhoritas.”
“E um olho roxo?”
Rixon passou seus dedos nos olhos, sondando. “Você não fez isso!” ele disse, balançando o punho para o Patch.
Eu tirei os dedos das cicatrizes do Patch. A pele da minha nuca formigou e meu coração batia muito mais rápido. Patch olhou para mim e nos seus olhos, tinha uma sombra de incerteza.
Eu fui forçada a aceitar que talvez, agora não era hora para contar com a parte lógica do meu cérebro. Talvez essa fosse uma daquelas horas onde eu precisava sair dos limites. Parar de jogar de acordo com as regras. Aceitar o impossível.
“Então, definitivamente você não é humano,” eu disse. “Você é realmente um anjo caído. Um cara mau.”
Isso arrancou um sorriso do Patch. “Você acha que sou um cara mau?”
“Você possui os corpos... das pessoas.”
Ele aceitou a sentença com um aceno.
“Você quer possuir meu corpo?”
“Eu quero fazer muitas coisas com o seu corpo, mas isso não é uma delas.”
“O que há de errado com o corpo que você tem?”
“Meu corpo é parecido com vidro. Real, mas o externo refletindo o mundo ao meu redor. Você me vê e ouve, e eu vejo e a ouço. Quando você me toca, você sente. Eu não te sinto da mesma forma. Eu não posso te sentir. Eu sinto tudo através de uma placa de vidro e o único jeito de eu cortar essa folha é possuindo um corpo humano.”
“Ou parte humano.”
A boca do Patch ficou apertada nos cantos. “Quando você tocou minhas cicatrizes, você viu o Chauncey?” ele perguntou.
“Eu ouvi você falando com o Rixon. Ele disse que você possuía o corpo do Chauncey por duas semanas todo ano durante o Cheshvan. Ele disse que Chauncey também não é humano. Ele é Nephilim.” A palavra rolou da minha língua em um sussurro.
“Chauncey é um cruzamento entre um anjo caído e um humano. Ele é imortal como um anjo, mas com todos os sentidos humanos. Um anjo caído que queira ter as sensações humanas pode fazer isso no corpo de um Nephil.”
“Se você não pode sentir, por que você me beijou?”
Patch passou um dedo pelo meu colo, em seguida rumou para o sul, parando no meu coração. Eu o sentia batendo através da minha pele. “Porque eu sinto aqui, no meu coração,” ele disse baixinho. “Deixe-me colocar dessa forma. Nossa conexão emocional não é deficiente.”
Não entre em pânico, eu pensei. Mas minha respiração já estava mais rápida, superficial.
“Você quer dizer que você pode sentir felicidade, tristeza ou –”
“Desejo.” Um quase sorriso.
Continue avançando, eu disse para mim mesma. Não dê as suas emoções tempo para se recuperarem. Lide com elas mais tarde, depois que você obtiver respostas. “Por que você caiu?”
Os olhos do Patch seguraram os meus por alguns instantes. “Cobiça.”
Eu engoli. “Cobiça por dinheiro?”
Patch acariciou o queixo. Ele só fazia isso quando queria ocultar o que ele estava pensando, a doação dos seus pensamentos sendo sua boca. Ele estava lutando com um sorriso. “E por outras coisas. Eu achava que se eu caísse, eu viraria humano. Os anjos que tinham tentado Eva tinham sido banido para a Terra e houve rumores que eles tinham perdido suas asas e se transformados em humanos. Quando eles deixaram o paraíso, não foi uma cerimônia para qual todos nós fomos convidados. Foi privado. Eu não sabia que as asas deles tinham sido arrancadas, ou que eles tinham sido amaldiçoados a vagar pela Terra com o desejo ardente de possuir corpos humanos. Naquela época, ninguém tinha ouvido falar de anjos caídos. Então na minha mente isso fazia sentido, que se eu caísse, se eu perderia minhas asas e me transformaria em humano. Na época, eu estava louco por uma garota humana e o risco parecia valer a pena.”
“Dabria disse que você podia ter suas asas de volta salvando uma vida humana. Ela disse que você seria um anjo da guarda. Você quer isso?” Eu estava confusa no porquê ele era tão contra isso.
“Isso não é para mim. Eu quero ser humano. Eu quero isso mais do que eu jamais quis qualquer coisa.”
“Mas e a Dabria? Se vocês não estão mais juntos, por que ela ainda está aqui? Eu achei que ela era um anjo normal. Ela também quer ser humana?”
Patch ficou mortalmente quieto, todos os músculos do seu braço ficaram rígidos.
“Dabria ainda está na Terra?”
“Ela tem um emprego na escola. Ela é a nova psicóloga, Srta. Greene. Eu já a encontrei algumas vezes.” Meu estômago deu uma torcida forte. “Depois do que eu vi na sua memória, eu acho que ela pegou o emprego para ficar perto de você.”
“O que exatamente ela disse para você quando você se encontrou com ela?”
“Para ficar longe de você. Ela deu uma pista sobre seu passado obscuro e perigoso.” Eu pausei. “Alguma coisa está fora, não está?” Eu perguntei, sentindo um arrepio sinistro na minha coluna.
“Eu preciso te levar para casa. Depois eu vou para a escola procurar nos arquivos dela e ver se posso encontrar alguma coisa útil. Vou me sentir melhor depois de descobrir o que ela está planejando.” Patch deixou a cama despida. “Se enrole nisso,” ele disse, me dando uma trouxa de lençóis secos.
Minha mente estava trabalhando duro para que os fragmentos de informação fizessem sentido. De repente, minha boca ficou seca e pegajosa. “Ela ainda tem sentimentos por você. Talvez ela me queira fora de cena.”
Nossos olhares se encontraram. “Isso passou pela minha cabeça,” Patch disse.
Um pensamento gelado e perturbador ficava batendo dentro da minha cabeça nos últimos minutos, tentando ter minha atenção. Agora ele praticamente se atirou em mim, me dizendo que a Dabria poderia ser o cara da máscara de esqui. Todo o tempo eu achei que a pessoa que bateu no Neon era um cara, assim como a Vee achou que seu atacante era um cara. Nesse ponto, eu não podia deixar de pensar que Dabria queria enganar nós duas.
Depois de uma rápida ida ao banheiro, Patch saiu vestindo sua camiseta molhada.
“Eu vou buscar o Jeep,” ele disse. Eu vou parar na porta dos fundos em vinte minutos. Fique no motel até lá.”

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