quinta-feira, 14 de abril de 2011

A mediadora - "A terra das Sombras" - Capitulo 15

O almoço já tinha quase acabado quando eu finalmente consegui pegar o Adam de jeito. Eu tinha passado quase a aula inteira com a cara enfiada num computador na biblioteca. Ainda não tinha comido, mas a verdade é que não estava com a menor fome.
- Ei - chamei, sentando ao lado dele e cruzando as per¬nas de um jeito que minha saia preta subisse só um pouqui¬nho. - Você veio de carro para o colégio hoje de manhã?
Adam bateu no peito. Ele tinha começado a beliscar um salgadinho no exato momento em que eu me sentei. Quan¬do finalmente conseguiu que ele descesse, disse, todo orgu¬lhoso:
- Claro que vim. Agora que estou com a minha carteira, sou uma verdadeira máquina de dirigir. Você devia ter saído com a gente ontem à noite, Suze. Foi o máximo! Depois que a gente saiu do Café Clutch, fomos dar uma volta pela Avenida Dezessete. Você já fez isso alguma vez? Cara, com a lua que estava fazendo ontem à noite, o mar estava tão bonito...
- Será que você topava me levar a algum lugar depois das aulas?
Adam levantou-se de repente, assustando duas enormes gaivotas que estavam perto do banco onde ele se sentara ao lado de Cee Cee.
Está brincando? Aonde quer ir? É só dizer, Suze, e eu te levo. Las Vegas? Quer ir a Las Vegas? Nenhum proble¬ma. Eu tenho 16 anos, você tem 16 anos. Podemos nos casar lá com a maior facilidade. Meus pais deixam a gente morar com eles, sem problema. Algum problema em ficar no meu quarto? Juro que a partir de agora eu tomo cuida¬do com as coisas...
Adam - interferiu a Cee Cee. - Deixa de ser espaçoso. Duvido muito que ela queira casar com você.
Não acho uma boa idéia casar de novo antes de conse¬guir divórcio do meu primeiro marido - disse eu, com a cara mais séria. - O que eu estou querendo mesmo é ir ao hospital visitar o Bryce.
Os ombros do Adam caíram.
- Ah - fez ele, sem conseguir esconder o desânimo. - Só isso?
Aí eu saquei que tinha dito a coisa errada. Mas não dava para voltar atrás. Felizmente, a Cee Cee veio em meu so¬corro, dizendo, bem estudada:
- Sabe o que mais, uma matéria sobre o Bryce e o padre Dominic bravamente lutando para se recuperar dos ferimentos não seria uma má idéia para o jornal. Você se im¬porta se eu for com você, Suze?
- Claro que não - respondi, o que era, naturalmente, uma mentira. Com a Cee Cee do lado, seria difícil fazer tudo que eu tinha de fazer sem precisar explicar um monte de coisas...
Mas que escolha eu tinha? Nenhuma.
Como eu já tinha garantido a minha carona, comecei a procurar o Soneca. Encontrei-o cochilando e o cutuquei com a ponta da bota para acordá-lo. Quando ele começou a piscar para mim por trás dos óculos escuros, eu disse que não esperasse por mim depois das aulas, pois já tinha ar¬ranjado carona. Ele resmungou e voltou a dormir.
Dei um jeito então de achar uma cabine telefônica. É es¬tranho quando a gente não sabe o telefone de nossa própria mãe. Quer dizer, eu ainda sabia de cor o nosso número lá no Brooklin, mas não tinha a menor idéia de qual era meu novo número de telefone. Ainda bem que o havia anota¬do em minha caderneta. Fui até a letra S, de Simon, encon¬trei o número e disquei. Eu sabia que não tinha ninguém em casa, mas queria me garantir por todos os lados. Aí dei¬xei gravada na secretária eletrônica a mensagem de que talvez me atrasasse na volta do colégio, pois estava saindo com dois novos amigos. Eu tinha certeza de que a minha mãe ia adorar quando voltasse da estação e ouvisse aquela mensagem. Quando a gente ainda morava no Brooklin, ela estava sempre preocupada, achando que eu era anti-social. Estava sempre dizendo: 
- Suzinha, você é uma moça tão bonita... Não entendo por que nenhum rapaz telefona para você. Quem sabe se você não parecesse tão... bem, tão durona?... Que tal deixar a jaqueta de couro descansar um pouco?
Ela provavelmente morreria de alegria se estivesse no estacionamento depois das aulas e ouvisse o Adam quan¬do eu me aproximei do seu carro.
- Olha só, Cee, aqui está ela - disse ele, abrindo a porta do carona do seu carro, que era simplesmente um New Beetle, o novo fusca (acho que os pais do Adam não estavam propriamente passando necessidade). - Venha, Suze, você vai sentar bem aqui ao meu lado.
Através dos meus óculos escuros - como sempre, a bru¬ma da manhã já se dissipara, e agora, às três da tarde, o sol estava castigando do alto de um céu de um azul perfeito -eu vi a Cee Cee esparramada no banco de trás.
Hmm, é mesmo? - disse. - Mas a Cee Cee chegou pri¬meiro. Eu fico lá atrás mesmo. Não dou a mínima.
Não quero nem saber - cortou o Adam, segurando a porta aberta para mim. - Você é que é a garota nova. A garo¬ta nova sempre senta no banco da frente.
Isso mesmo, até se recusar a dormir com ele - soltou a Cee Cee lá do fundo do banco de trás. - Aí também será relegada ao banco de trás.
Adam retrucou com voz cavernosa:
- Finja que não está ouvindo esta voz das profundezas. Eu sentei no banco da frente e Adam educadamente fe¬chou a porta para mim. 
- Está falando sério? - perguntei a Cee Cee, virando-me para trás enquanto o Adam dava a volta no carro para entrar.
Cee Cee piscou por trás de suas lentes protetoras:
- Você acha realmente que alguém seria capaz de dormir com ele?
Tratei de processar a resposta.
Quer dizer então que a resposta é não - disse.
Acertou na mosca - respondeu a Cee Cee no exato mo¬mento em que o Adam entrava no carro.
Muito bem - disse o motorista, aquecendo os dedos antes de ligar a ignição. - Acho que essa história toda com a estátua, o padre Dom e o Bryce deixou todo mundo muito estressado. Meus pais têm uma jacuzzi, o que é perfeito para a tensão que todos nós sofremos hoje, e sugiro então que a gente passe primeiro lá em casa para um bom banho...
Sabe o que mais? - disse eu. - Vamos deixar a jacuzzi para outra vez e ir direto para o hospital. Talvez depois, se der tempo...
Uau! - fez o Adam, parecendo que estava nas nuvens. - Existe um deus lá no céu!
Lá do banco de trás, a Cee Cee cortou a animação dele:
- Ela disse talvez, seu otário. Minha nossa, tente se controlar.
Adam me deu uma olhada enquanto ia saindo da vaga:
Estou forçando a barra?
Hmm - disse eu. - Talvez...
O problema é que há muito tempo não aparecia uma garota nem de longe interessante por aqui. - Enquanto o Adam dizia isto, eu constatava algo aliviada que ele dirigia com muito cuidado. - Há dezesseis anos eu estou cercado de Kellys e Debbies. É um enorme alívio ter uma Suzannah Simon por perto para variar. Você simplesmente acabou com a Kelly hoje de manhã quando disse que anjos não deixam marcas de sangue.
Adam continuou com seu discurso até o hospital. Eu não entendia como a Cee Cee era capaz de agüentar aquilo. A menos que eu estivesse muito enganada, ela sentia por ele exatamente o mesmo que ele sentia por mim. Só que eu não achava que o interesse dele por mim era muito sério, pois se fosse ele não estaria brincando com o assunto. Já o interesse da Cee Cee por ele me parecia ser verdadeiro. Claro que ela o provocava e até o insultava, mas eu tinha olha¬do pelo espelho retrovisor umas duas vezes e vi que ela esta¬va olhando para ele de um jeito que só podia ser conside¬rado apatetado.
Mas só quando ela sabia que ele não estava olhando.
Quando o Adam parou em frente ao hospital de Carmel, eu pensei que ele tinha parado num clube ou numa casa particular por engano. Claro que seria uma casa daquelas muito grandes mesmo, mas lá na Califórnia não seria as¬sim nada de mais...
Foi então que eu vi uma discreta plaqueta com a inscri¬ção "Hospital". Saímos do carro e atravessamos um jardim impecável, com canteiros cheios de flores brotando. O lugar estava cheio de beija-flores e eu voltei a ver algumas daque¬las palmeiras que nunca esperara ver tão ao norte do Equador. 
No balcão de informações, perguntei pelo quarto de Bryce Martinson. Eu não tinha certeza de que ele havia dado en¬trada, mas sabia por experiência própria, infelizmente, que, em caso de acidente com ferimentos de cabeça, geralmente a pessoa passa a noite no hospital para observação. E esta¬va certa. Bryce estava lá, assim como o padre Dominic, em quartos bem em frente um do outro.
Nós não éramos os únicos a estar visitando os dois, nem de longe. O quarto do Bryce estava cheio. Aparentemente não havia limite para o número de pessoas autorizadas a entrar num quarto de paciente, e parecia até que quase toda a classe dos veteranos da Academia Missionária Junipero Serra estava ali no quarto do Bryce. Bem no meio daquele quarto ensolarado e alegre, com flores por todo lado, o Bryce estava deitado com o ombro engessado e o braço direito pendurado acima da cabeça. Estava com aparência muito melhor do que de manhã, principalmente, suponho, porque o haviam enchido de analgésicos. Quando me viu na por¬ta, ele abriu aquele sorriso largo e disse, prolongando bem as sílabas:
Suze!
Puxa, e aí, Bryce? - disse eu, encabulada. Todo mundo tinha se voltado para ver com quem ele estava falando. Quase só havia garotas ali. E todas fizeram o que tantas garotas costumam fazer: me filmaram da cabeça aos pés (eu nem tinha tomado banho ao acordar porque estava tão atrasada, de modo que não estava exatamente com o cabelo em seus melhores dias...). 
E todas deram aquele sorrisinho afetado.
Não de um jeito que o Bryce tivesse notado. Mas deram.
Mas ainda que não desse a menor bola para o que pudesse estar pensando de mim um bando de garotas que nunca tinha encontrado e provavelmente nunca voltaria a encon¬trar, eu fiquei vermelha.
Pessoal - disse o Bryce, parecendo meio alto, mas de um jeito simpático. - Esta é a Suze. Suze, é o meu pessoal.
Ah - respondi. - Tudo bom?
Uma das garotas, que estava sentada na beira da cama do Bryce num vestido de linho branco muito engomadinho, foi dizendo:
Ah, você é a garota que salvou a vida dele ontem. A meia-irmã do Jake.
Isso aí, eu mesma - disse. Não havia a menor, mas a menor possibilidade de que eu conseguisse perguntar ao Bryce o que precisava perguntar-lhe com todas aquelas pes¬soas ali no quarto. Cee Cee tinha empurrado o Adam para o quarto do padre Dom, para que eu pudesse ficar um pouco sozinha com o Bryce, mas parecia que não tinha adiantado nada. Não havia a menor possibilidade de eu conseguir ficar um minuto sozinha com o cara. A menos que...
A menos que eu pedisse.
- Bom - fui dizendo. - Preciso falar com o Bryce um instantinho. Será que vocês se importam?
A garota que estava na beira da cama foi apanhada de surpresa.
- Pode falar. Não somos nós que vamos impedir. 
Eu a olhei bem nos olhos e disse, com minha voz mais firme de mediadora:
- Preciso falar com ele sozinha.
Alguém deu um assobio longo e profundo. Ninguém se mexeu. Até que o Bryce falou:
- Olha aí, rapaziada. Vocês ouviram o que ela disse. Po¬dem ir saindo.
Deus abençoe a morfina, é tudo que posso dizer.
A classe dos veteranos foi então saindo de má vontade, todo mundo me lançando olhares fulminantes. Bryce er¬gueu uma das mãos, que estava presa a alguma coisa, e disse:
- Vem cá, Suze. Dá uma olhada só nisso.
Eu me aproximei da cama. Agora que estávamos sozi¬nhos, dava para ver que o Bryce conseguira um quarto bem grande. Era também muito alegre, pintado de amarelo, com a janela dando para o jardim.
- Viu só o que eu consegui? - perguntou Bryce, mostrando-me um pequeno aparelho que cabia na palma da mão, com um botão no alto. - Uma bomba de analgésico só para mim. A qualquer momento que eu sentir dor, basta aper¬tar este botão e ela libera codeína direto no meu sangue. Legal, não?
O cara estava em outra. Estava mais que evidente. De re¬pente, eu me dei conta de que minha missão não seria as¬sim tão difícil, no fim das contas.
- Beleza, Bryce - respondi. - Fiquei mesmo muito chatea¬da quando soube do seu acidente. 
Uau! - fez ele, com um risinho de satisfação. - Pena que você não estava lá. Talvez pudesse ter me salvado como da outra vez.
É - disse eu, pigarreando meio sem jeito. - Você parece que está atraindo acidentes ultimamente...
É mesmo - respondeu ele, fechando os olhos e deixando-me em pânico ante a idéia de que estivesse adorme¬cendo. Mas logo depois abriu os olhos e me olhou com ar meio triste. - Suze, acho que não vou conseguir, não.
Eu fiquei olhando para ele. Caramba, que bebezão!
- Claro que vai. Você só está com a clavícula quebrada, mais nada. Não demora nada e vai estar bom.
Ele deu um risinho:
Não, não... Estou dizendo que acho que não vou con¬seguir ir ao nosso encontro de sábado à noite.
Ah!... - disse eu, piscando. - Claro, claro que não. Nem eu estava mais pensando nisso. Preciso te pedir um favor, Bryce. Talvez você ache estranho... (na verdade, dopado do jeito que estava, duvido que achasse estranho) mas eu es¬tava aqui me perguntando se, quando você e a Heather ain¬ da namoravam, ela não... nunca lhe deu nada?
Ele ficou piscando para mim meio desorientado.
Nunca me deu nada? Você quer dizer um presente? - Sim.
Claro. Ela me deu um suéter de caxemira no Natal. Eu fiz que sim com a cabeça. Um suéter de caxemira não ia adiantar nada para mim.
-Tudo bem. Mais alguma coisa? Talvez... um retrato dela? 
Ah, sim! - respondeu ele. - Claro, claro. Ela me deu seu retrato no colégio.
É mesmo? - fiz eu, tentando não parecer muito excitada. - E por acaso você está com ele aqui? Na sua carteira, talvez?
Era uma aposta arriscada, eu sabia perfeitamente, mas muitas pessoas só arrumam suas carteiras uma vez por ano, se tanto...
Ele fez uma careta. Provavelmente pensar era doloroso para ele, pois logo em seguida tratou de injetar o analgési¬co umas duas vezes. Em seguida, ficou com a expressão re¬laxada.
- Claro - disse então. - Ainda tenho a foto dela. Minha carteira está naquela gaveta ali.
Eu abri a gaveta da mesa ao lado de sua cama. E lá esta¬va realmente a carteira, fininha, de couro preto. Eu a apanhei e a abri. A foto da Heather estava entre um cartão American Express e um bilhete de teleférico de estação de esqui. Ela estava cheia de glamour, com toda aquela cabeleira loura caindo num dos ombros e olhando insinuante para a câ¬mera. Nas minhas fotos de colégio, eu sempre fico parecen¬do como se alguém tivesse gritado "Fogo!". Não conseguia entender como um cara que estava saindo com uma garo¬ta como aquela podia convidar para sair alguém como eu.
- Você me empresta este retrato? - perguntei. - Preciso dele só por um tempinho. Devolvo logo. - O que era uma mentira, mas achei que de outro modo ele não me empres¬taria a foto. 
Claro, claro - disse ele, sacudindo uma das mãos.
Obrigada.
Enfiei a foto na minha mochila no exato momento em que uma mulher alta, de seus 40 anos, foi entrando, cober¬ta de jóias e trazendo uma caixa de doces.
Bryce, querido - disse ela. - Onde estão seus amiguinhos? Eu fui até a padaria para trazer uns beliscos.
Daqui a pouco eles voltam, mãe - respondeu o Bryce meio sonolento. - Esta é a Suze. Ela salvou a minha vida ontem.
A Sra. Martinson estendeu a mão direita, macia e bron¬zeada.
- Prazer em conhecê-la, Susan - disse ela, mal tocando os meus dedos. - Você consegue acreditar no que aconteceu com o pobrezinho do Bryce? O pai dele está furioso. Como se as coisas já não estivessem suficientemente com¬plicadas, com aquela maldita garota... bem, você sabe. E agora isto. Juro que fica parecendo que aquele colégio está amaldiçoado ou algo assim.
Eu disse:
- É. Bem, prazer em conhecê-la. É melhor eu ir.
E ninguém protestou contra minha partida: a Sra. Martin¬son porque pouco estava ligando, e o Bryce porque tinha adormecido.
Encontrei Adam e Cee Cee em frente a um quarto do outro lado do corredor. Enquanto eu estava me aproximan¬do deles, Cee Cee levou um dedo aos lábios:
- Ouça - disse ela. 
Eu fiz exatamente o que ela sugeria.
Simplesmente não podia ter acontecido em pior hora - dizia uma voz conhecida, de homem mais velho. - E ago¬ra que faltam menos de duas semanas para a visita do arce¬bispo?...
Sinto muito, Constantine - dizia o padre Dominic com a voz fraca. - Sei perfeitamente que isto deve estar sendo estressante para você.
E ainda por cima com o Bryce Martinson! Sabe quem é o pai dele? Simplesmente um dos melhores advogados de Salinas!
Padre Dom está levando um sabão - sussurrou o Adam para mim. - Pobre coitado.
Ele bem que podia simplesmente dizer a monsenhor Constantine que fosse se afogar no lago - disse Cee Cee com os olhos faiscando.
Eu sussurrei:
- Vamos ver se a gente consegue ajudá-lo. Talvez vocês pudessem distrair o monsenhor. E aí eu vou ver se o padre Dom precisa de alguma coisa. Sabe como é, Bem depressinha antes da gente ir embora.
Cee Cee deu de ombros:
Por mim tudo bem.
Estou nessa - concordou Adam.
Eu então chamei o padre Dominic em voz alta e fui en¬trando no quarto.
O quarto não era tão grande nem tão alegre quanto o do Bryce. As paredes eram bege, e não amarelo, e só havia um vaso de flores. Pelo que pude perceber, a janela dava para o estacionamento. E ninguém se tinha dado ao traba¬lho de pendurar o padre Dominic em alguma máquina de bombear analgésicos. Não sei que tipo de plano de saúde os padres têm, mas posso dizer que não eram tão bons quanto deveriam.
Seria pouco dizer que o padre Dominic ficou surpreso com a minha entrada. Seu queixo simplesmente caiu. Ele não parecia capaz de dizer coisa nenhuma. Mas não tinha problema, pois atrás de mim foi entrando a Cee Cee, que foi explicando:
- Puxa, monsenhor, estávamos procurando o senhor em toda parte. Gostaríamos de fazer uma entrevista exclusiva, se o senhor concordar, sobre as conseqüências do ato de vandalismo da noite passada na visita que o arcebispo está para fazer. Conseqüências negativas, certo? O senhor tem algo a dizer? Talvez o senhor pudesse dar uma chegadinha até o corredor, onde eu e meu colaborador poderemos...
Meio atarantado, monsenhor Constantine acompanhou Cee Cee até a porta, bem irritado:
- Escute aqui, mocinha...
Eu mais que depressa fui chegando para o lado do padre Dominic. Não posso dizer que estava exatamente excitada por encontrá-lo. Quer dizer, eu sabia que ele provavelmente não estava lá muito satisfeito comigo. Foi em mim que a Heather atirou a cabeça do padre Serra, e eu achava que ele provavelmente sabia disto e muito provavelmente também não estava lá simpatizando demais comigo. 
Pelo menos era o que eu estava pensando. Mas é claro que estava errada. Eu sou muito boa para ficar imaginan¬do o que as pessoas mortas estão pensando, mas ainda não consegui acertar muito com os vivos.
- Suzannah - disse padre Dominic com sua voz meiga.
- Que está fazendo aqui? Está tudo bem? Eu estava muito preocupado com você...
Provavelmente eu deveria ter esperado... Padre Dominic não estava zangado comigo, absolutamente. Só estava preo¬cupado. Mas era ele o verdadeiro motivo de preocupação. Além daquele horrível rasgão acima de um dos olhos, ele estava completamente lívido. Ou melhor, cinzento, pare¬cendo muito mais velho do que era. Só os olhos, azuis como o céu lá fora, continuavam como sempre foram, brilhantes e cheios de bom humor inteligente.
Ainda assim, fiquei de novo furiosa por vê-lo daquela ma¬neira. Heather ainda não sabia, mas ia se ver comigo, e como!
- Preocupado comigo? - perguntei, olhando fixo para ele. - Por que está preocupado comigo? Não fui eu que quase fui esmagada hoje de manhã por um crucifixo.
Padre Dom sorriu, matreiro.
Não, mas acho que você talvez precise explicar uma coisa. Por que não me disse, Suzannah? Por que não me disse o que pretendia fazer? Se eu soubesse que você estava pretendendo aparecer na Missão sozinha no meio da noite, nunca teria permitido.
Foi exatamente por isto que eu não lhe disse - respondi.
- Ouça, padre, sinto muito pela estátua e pela porta da sala de aula do professor Walden e tudo mais. Mas eu precisa¬va tentar falar com ela pessoalmente, entende? De mulher para mulher. Eu não sabia que ela ia ficar completamente ensandecida comigo.
Mas o que você podia esperar? Suzannah, você não viu o que ela tentou fazer com aquele rapaz ontem?...
Sim, mas aquilo dava para entender. Quer dizer, ela gostava muito dele. Ela realmente o ama loucamente. Mas eu não imaginava que fosse me perseguir também. Afinal, eu não tinha nada a ver com aquela história. Só estava tentando mostrar a ela o que ela podia fazer...
O que era exatamente o que eu vinha fazendo desde que ela começou a assombrar a Missão.
Certo. Mas a Heather não está a fim de aceitar nada que lhe propomos. É como estou lhe dizendo, a guria pirou. Agora está quietinha porque acha que conseguiu matar o Bryce e provavelmente também está exausta, mas daqui a pouco vai começar a atacar de novo, e só Deus sabe o que poderá fazer agora que sabe do que é capaz.
Padre Dominic ficou me olhando com curiosidade, com¬pletamente esquecido da sua preocupação com a chegada do arcebispo.
Como assim, "agora que sabe do que é capaz"?
Bom, dá para perceber que a noite passada foi apenas um ensaio geral. Pode estar certo de que muito pior virá da Heather, agora que ela sabe o que pode fazer.
Padre Dominic balançou a cabeça, confuso.
- Você a viu hoje? Como sabe tudo isto? 
Eu não podia falar sobre o Jesse para o padre Dominic. Não podia mesmo. Não era da conta dele, para começo de conversa. Mas eu também tinha a impressão de que pode¬ria chocá-lo, saber que havia um sujeito vivendo no meu quarto. Sabe como é, padre Dom era um padre, essas coisas...
- Escute só - eu disse. - Tenho pensado muito nisso, e não vejo outra maneira. O senhor já tentou argumentar com ela e eu também. E veja só no que deu. O senhor está no hospital e eu preciso ficar o tempo todo olhando ao meu redor, onde quer que vá. Acho que chegou a hora de resol¬ver isto de uma vez por todas.
Padre Dom piscou: - O que está querendo dizer, Suzannah? De que está falando?
Respirei fundo.
- Estou falando do que nós, mediadores, fazemos como último recurso.
Ele ainda parecia confuso.
Último recurso? Acho que não estou entendendo o que você quer dizer...
Fazer um exorcismo - disse eu.

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